terça-feira, 23 de setembro de 2014

99. O CAMINHO DAS PEDRAS

Mesmo se analisarmos a trajetória das pessoas somente sob o (limitado, porém normalizado) viés econômico, diríamos que cada pessoa, para chegar até aqui, endividou-se. Mas por quê? Pois se, simplesmente, levamos em conta todos os que cuidaram de alguém desde o nascimento até os 14 anos de idade, as quais não receberam remuneração alguma, então podemos constatar a dívida formada.
CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIDOR
Num cálculo simples (e mesquinhamente absurdo!), teríamos:
Um cuidador cobra, hoje, por baixo, não menos que 2 salários-mínimos, em jornada de dedicação quase exclusiva, com 4 folgas/mês.  Se uma mãe cuidou de seu filho durante 7 anos, receberia 24 salários-mínimos por ano. 7 anos = 168 salários-mínimos. Salário-mínimo: 350 dólares x 168 = 58,8 mil dólares =~120 mil reais. Correção monetária = entre 168 mil e 185 mil reais.
Isto é, 170 mil = remuneração/pessoa/período (7 anos).
Como o filho não foi cuidado somente por sua mãe, Maria, mas também pelo pai e secundários (tios, avós, professores etc.), temos:
1/3 (pai) + 1/6 (secundários) = ½ do valor de Maria = 85 mil
Assim, 170 + 85 = 255 mil reais.
255 mil reais seria a dívida contraída no período de 7 anos. No segundo período, dos 7 aos 14 anos, ela teria se dedicado de 4 a 2 horas/dia:
3h x 365 = 1095 horas = 46 dias x 7 anos = 322 dias / 30 = 11 meses x 1400 reais = 15.400 + 7.700 (secundários) = 23.100 reais.
Logo, a remuneração seria de 278 mil reais.

CÁLCULO DO CUSTO
Para sustentar o filho, teve-se custo mensal de 1 mil reais.
Em 14 anos, com correção monetária, tem-se aproximadamente 355 mil reais.

CONSIDERAÇÃO FINAL
Sendo assim, cada pessoa, por receber os cuidados necessários para que chegasse até aqui, teria em média uma dívida de não menos que meio milhão de reais, isto é, aproximadamente 641 salários-mínimos.
Entretanto, na verdade, para além de qualquer cifra, há bens impagáveis: carinho, atenção, companheirismo, amizade, respeito... só para citar alguns poucos. A conhecida diferença entre preço e valor.
Em latim, a palavra “cálculo” significa “pedrinha”. Esses cálculos nos mostram que cada um vive este caminho das pedras: não necessariamente a via do sofrimento, mas o encontro com o tangível, com a materialidade. As pedras são a representação do lado material da vida. O cálculo nos liga às pedras, nos faz pôr os pés no chão. Para irmos de fato além do material, é preciso compreendê-lo, ter em conta a energia dispendida por trás de cada cifra, cada conta. No fim, não é o dinheiro, mas a energia-tempo que ele representa.
Portanto, se algum dia eu tenha estufado o peito e soltado a arrogante frase “Não devo nada a ninguém”, ahh... perdoem-me esse absurdo!

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