sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sobre Desenvolvimento e Justiça



Parte I

O dever é abstrato; a tarefa é concreta. A origem do dever é o arquétipo cósmico para o homem. Origem da palavra: do grego, deontós “o que é preciso”. Isto é, aquilo que é necessário que o homem realize para que sua tarefa se cumpra dentro do organismo planetário. Sendo assim, o que proporcionaria desenvolvimento pleno à consciência humana? O que estabeleceria plena justiça entre os homens?
“Não matarás”, por exemplo, em última instância, não é ordem-obrigação, haja vista o livre-arbítrio. Há o poder-fazer-algo. A possibilidade é sempre dada ao homem. Tudo lhe é, em verdade, possível; embora nem tudo lhe seja “devível”. Isso porque a tarefa a que um homem possa se propor é humana, mas o dever a que se propõe cumprir, não; é sobre-humano, é imaterial, é consciencial. O papel do Direito seria o de concretizar, de materializar regulamentando, normatizando, especificando os detalhes e intuindo o dever imaterial subjacente a cada situação, essa lei imanente à consciência humana. Daí, sua qualidade atemporal.
O que se diz de evolução ética é somente uma aparência, porquanto numa fase humana primitiva não que o código de ética fosse outro menor, isto é, o dever fosse frouxo ou incipiente. Ele é o mesmo. A Lei é única. O que mudam é o ser humano e a largura de sua consciência, a partir da qual ele vê mais ou menos ampla e claramente o dever que lhe cabe em determinado círculo ou situação.
Nesse sentido, embora parecesse “devível” ao homem primitivo matar animais e/ou se alimentar deles, isso não implica que:

1)     o dever para aquele era um e para os homens atuais seja outro;
2)     o ser humano atual tenha o dever de matar animais e/ou de se alimentar deles, dado que está dentro de uma conjuntura totalmente diversa.

O dever absoluto sempre foi “não matar”. A capacidade humana de compreensão é que é relativa. Há um dever (desdobramento e especificação do Dever Único) para cada situação.
Percebê-lo claramente em todas as ocasiões é a meta. Entretanto, ainda não se alcançou esse estado de consciência, e o que se faz é algo pessoal, i.e., a ação é resultado do livre-arbítrio (superfície da mente), não da percepção clara da ação justa, em consonância com o dever.
É, inclusive, desse estado de inconsciência que nasce um perigoso jogo de interesse em que o indivíduo é aplaudido, elogiado e recompensado por simplesmente cumprir com o dever. A causa disso está no descumprimento do dever por parte de quase todos. Como é raro se cumprir com o dever, os que o fizerem podem passar a ser recompensados.
Isso, embora pareça inócuo, tem efeito desastroso sobre o organismo social:

·         O indivíduo se cristaliza em torno da falsa ideia de que o dever é para ser cumprido somente se houver recompensa;
·         Nesse sentido, o que deve ser feito pode meramente não ser percebido ou mesmo abandonado. A partir do momento em que o livre-arbítrio entra em jogo, praticamente o dever é obscurecido pelo querer.

A História evidencia: de um lado, o interesse e o desejo do Homem possuem força capaz de elevar ou de desvirtuar os mais altos propósitos; de outro, sua capacidade é limitada, mesmo a de fazer o bem.
Daí, constata-se que o legislador – o homem de Direito, assim como outro de qualquer profissão – tem a responsabilidade de buscar ir além do livre-arbítrio, ou seja, buscar transpor um mecanismo não-neutro, parcial, passível de tendências e quereres que obnubilam o alcance de uma ação suficientemente justa.
Se alguém compreende que na ordem cósmica não há falhas; órbitas e translações perfeita e harmoniosamente regulares; ciclos cronológicos tão espantosamente gigantescos quanto precisos; a colaboração de tudo quanto é visível e invisível no sentido de manter o fluxo de VIDA; então, se alguém almeja ordem, perfeição, harmonia, precisão e Vida neste planeta, portanto isso não será implantado enquanto as mesmas leis superiores que regem a ordem cósmica extra-planetária não se refletirem nas leis planetárias.
Tanto no plano terrestre quanto cósmico, a precisa decisão tem o nome de Justiça. Sob sua regência, o positivo que se encaixa de maneira justa e precisa dentro do negativo; o espaço que é justa e precisamente preenchido. Então, a etimologia de dever tem e faz duplo sentido.
O justo cumprimento do Dever pede justa decisão. Visto que o Dever/Lei/Ordem perfeita é supra-humana (cósmica) e que a decisão/Legislação/Ordenação imperfeita é humana (ou alguém, em sã consciência, diria o contrário?), então a justa decisão/ Legislação humana, considerada enquanto tal, deve ser espelho do Dever/Lei supra-humana (isto é, da lei que supera a qualidade mental humana).
Se alguém compreende que o livre-arbítrio provém da mente humana; e a intuição, de sua supramente, logo se tem que a decisão justa não pode prover do livre-arbítrio mental, mas da intuição supramental.
Daí, que a decisão justa e acertada não está, necessariamente, em conformidade com o Direito humano, mas com a Lei supra-humana. Logo, ainda que alguém possa não saber explicitar os pormenores da ilegalidade da prática de aborto doloso, se alguém compreende que o “não matarás” é uma Lei Cósmica, Lei de Manutenção do Fluxo de Vida, tem-se, portanto, que o que fere a Lei Cósmica, haja vista sua perfeição, não pode ser considerado legal, ainda que o Direito humano tenha a possibilidade de legislar o contrário.


Parte II

A imparcialidade/neutralidade é pressuposto do desenvolvimento e da justiça, visto que o envolvimento e a injustiça são parciais/polares.
Isso porque é aparente e relativo o desenvolvimento das coisas com as quais nos encontramos apaixonadamente envolvidos. Como foi demonstrado, se ao Dever não cabe beneficiar este ou aquele, se é pura expressão do que deve-ser-no-agora, então o dever-justiça é neutro. Daí que se chega à constatação de que não se pode haver pleno desenvolvimento através apenas do livre-arbítrio mental, mas pelo cumprimento do dever supramental, visto que aquele leva ao envolvimento devido à polaridade ao passo que este, ao desenvolvimento devido à neutralidade.
Se bem que possa haver decisão-livre-arbítrio-mental que se aproxime da justiça, tem-se que a precisão e a justeza daquela serão limitadas, por mais apurada que tal decisão possa ser. Há grande distância entre o arbítrio consciente e o arbítrio supraconsciente, ou seja, entre o pensamento e a intuição. Aquele é parcial na medida em que:

1) A decisão mental, enquanto fruto de um dos corpos da personalidade egóica (a qual é composta pelos corpos físico, emocional e mental), tende naturalmente a priorizar o benefício do eu. Ora, o que beneficia prioritariamente o eu não necessariamente beneficia o grupo que o inclui. Logo, a decisão mental não garante plena justiça.

2) Mesmo na hipótese de que a decisão mental não vise conscientemente ao benefício individual, mas ao grupal, outros grupos podem não ser comtemplados.

3) Ainda que todos os grupos do Reino Humano fossem contemplados, pela decisão tomada, algum outro Reino planetário poderia estar sendo prejudicado, o que, a bem da verdade, é o que vem ocorrendo.

Além de parcial, como demonstrado acima, o pensamento humano (por meio do livre-arbítrio) é polar, na medida em que:

1) O positivo se opõe absolutamente ao negativo. A oposição gera total mas não relativa exclusão.

2) Nesse sistema lógico, não há o absoluto que vê a parcela de positivo presente no negativo e vice-versa.

3) No caso de vinculada, a estrutura mental, tão somente ao princípio lógico de não-contradição, não alcança a percepção de que para além da aparência polar do que está existe a essência neutra do que é.

4) O que é – o que deve-ser-no-agora – não é alcançado, pois se não é perceptível que há algo de X em Y e algo de Y em X, a essência daquilo que está majoritariamente constituindo X ou Y não pode ser percebida, uma vez que o conjunto vazio, a neutralidade única, é subjacente a todo e qualquer conjunto.
Se se concebe que pura e absolutamente X é somente X; e Y, somente Y; não se chega ao equilíbrio sintético que pressupõe a neutralidade. Isso porque o relativo não inclui o absoluto, mas o absoluto inclui o relativo. Em outras palavras, a mente, visto que relativa-polar, faz uso de mecanismo absoluto para ascender ao absoluto; ao passo que a intuição, visto que absoluta[1], faz uso de mecanismo relativo para descender ao relativo.
Daí que o que deve-ser-no-agora faz-se necessário partir não da absoluta dissolução mental, mas da relativizada absolvição intuitiva[2]. O deliberador será tanto mais capaz de estabelecer firme e precisamente o que deve-ser-no-agora quanto maior for a precisão de ver intuitivamente o quanto de positivo há no negativo e vice-versa, isto é, a partir de um plano imaterial de síntese, deliberará com precisão sobre o material em análise. Ele, deliberador, partirá do neutro conjunto vazio inerente a todo conjunto e, da essência para a aparência, chegará a uma decisão ampla, visto que a origem desta está na essência de tudo, portanto, conhecedora de tudo, não incorrerá em imparcialidade ou polaridade, mas será a própria manifestação da justiça, haja vista que aquele que conhece as partes não pode dizer perfeitamente sobre o todo, mas aquele que conhece o todo pode dizer perfeitamente sobre as partes.


Parte III

Como exposto anteriormente, nos exemplos de parcialidade, a perfeita e justa decisão se torna humana-mental-matematicamente inviável. O que deve-ser-no-agora só pode ser suficientemente cumprido a partir de decisão que provenha de um nível superior ao mental, ou seja, de um nível que não esbarre na limitação matemática inerente à capacidade combinatória mental.
Finalmente, haja vista que a deliberação intuitiva não contemplará cegamente apenas X ou apenas Y, mas o quanto e o que de X há em Y; assim como o quanto e o que de Y há em X; conclui-se que somente um mecanismo supramental, a saber, a intuição, tem condição de estabelecer plenamente, devido à sua natureza imparcial e neutra, o que deve-ser-no-agora, permitindo que o verdadeiro desenvolvimento, o da consciência fraterna, e a verdadeira Justiça sejam o próprio caminho humano.




[1] Absoluto: do latim, -ab (longe, distante) e –soluto (dissolvido em); portanto, aquilo que não é dissolvido, decomposto em duas ou mais partes, mas único e indivisível.
[2] A mente, como demonstrado, tende naturalmente a separar absolutamente o positivo do negativo. Entretanto, a intuição consegue ver o quanto de positivo há no negativo e vice-versa. A partir de um plano de certeza, ela vê a relação entre os dois pontos de dúvida. Ao saber o quanto, ela também sabe o que de positivo há no negativo, de modo que sua decisão é específica e inédita, porquanto nada se repete; e pode até parecer insensata ao ser mental, visto que ultrapassa o raciocínio lógico.