"Apesar de toda a intelectualização e esclarecimento tecnológico-internético, perpetuamos a desigualdade, o conflito. Por que valorizamos ou desvalorizamos o outro a depender de sua atividade profissional, cor, gênero etc.?"
nvisibilidade não é coisa só de
super-herói. Tem aquela experiência conhecida, realizada pelo então estudante
de Psicologia da USP, Fernando Braga da Costa, registrada no livro “Homens
Invisíveis — Relatos de uma humilhação social” (2004). Ele vestiu o uniforme e
foi trabalhar de gari. Resultado: percorrendo o campus onde estudava, nem colegas nem professores o reconheceram.
Brasil. 15 de
fevereiro de 2015, segunda-feira de Carnaval. Dizem que tal festa é a prova de
que tanta gente diferente, de distintas classes sociais, se reúne em pé de
igualdade, sem discriminação: negro, branco; rico, pobre; somos todos um só
povo.
Seria ótimo.
Convém lembrar do artigo “Why I love brazilians”, de Benny Lewis, alguém que já viajou por 13 países. De
fato, qualquer um que já tenha tido contato com estrangeiros — ou,
principalmente, já tenha viajado para fora do país — sabe que o brasileiro é
reconhecido e, mesmo, elogiado por nossos irmãos de outras terras como sendo de
uma hospitalidade e simpatia acima da média, como exposto no artigo citado. No
entanto, sabemos: nada é perfeito, e toda ação é, ou deveria ser, em prol do
aperfeiçoamento; logo, este texto é uma dessas.
Este texto é
uma ação, pois tenta mostrar, dentro do possível, que, apesar de todas nossas
virtudes sociais, há vícios. Então, aos poucos, precisam ser deixados para
trás.
Não falo estando
“na plateia”, em teoria. Falo do que vivi e vivo.
Imagine que
você esteja em frente à sua bela casa, sentado à varanda, ao lado de seu belo
carro. Por vezes, um ou outro passa e o cumprimenta. Situação trivial.
Agora, imagine
que, no outro dia, você tenha de harmonizar o jardim frontal. Veste sua simples
roupa de trabalho, um boné ou chapéu, e põe a mão na terra. Com todo o aparato,
não dá para saber que você é você. Não
são só as mãos escuras de terra, mas também os pés e, de leve, a testa, o
rosto. Diante de você, passam as mesmas pessoas do dia anterior e também
outras, mas, desta vez, nenhum cumprimento, sequer aceno. O que teria
acontecido? Teria sido o dia? O acaso? Porém, pense que isso ocorre toda vez
que você trabalha ali.
Ora! Mas eu não
ignoro o fato de que a invisibilidade possa ser positiva. Querer demasiadamente
ser percebido, notado, não seria um estímulo à vaidade? O desejo de querer ser
reconhecido a todo custo é uma das mais perigosas armadilhas do ego.
Desse modo,
notem:
1) a questão
não está, em si, na visibilidade, mas no motivo
da não percepção. Há desvalorizadores e desvalorizados. Eis o vício;
2) eu e você,
muito provavelmente, já agimos ou ainda agimos assim. Apesar de toda a
intelectualização e esclarecimento tecnológico-internético, perpetuamos a
desigualdade, o conflito. Por que valorizamos ou desvalorizamos o outro a
depender de sua atividade profissional, cor, gênero etc.?
Na Itália,
várias vezes, eu vi seguranças de loja me rodearem desconfiados. “Era um latino-americano”.
Na França e na Grécia, isso ocorreu uma vez. Ali, no continente europeu, a
coisa estava escancarada. Não era a atividade profissional, era a minha cor,
era a minha origem. Afora a invisibilidade rotineira dos grandes centros, não
precisava mexer no jardim para ser invisível ou, em algumas lojas,
hipervísivel.
Já no Brasil,
no mais das vezes, a situação é dissimulada. O carnaval é só um dos pretextos
que a grande mídia usa para mascarar a verdade: desigualdade social. Além do
aumento no número de agressões físicas a determinados grupos, a violência aqui
é, sobretudo, psíquica.
Não nos
admiremos com os altos índices de criminalidade. A raiz não está apenas na
falta de bens materiais. O crime está em todas as camadas sociais. O crime é resultado da supervalorização
individual em prejuízo de outrem. O momento em que alguém sente a
necessidade de possuir mais valor em
algo, eis o início do crime. Se ele adquire valor através de uma ação que
diminua o valor do outro, ele está a cometer um crime. Se ele quer possuir um
bem de valor (um carro), mas retira-o de alguém, está cometendo um crime. Da
mesma maneira, se quer se valorizar (moral, socialmente), mas retira o valor de
alguém, está cometendo um crime. Nesse sentido, quase todos nós (senão todos)
temos um lado criminoso.
Ressalto que focalizei
a situação brasileira apenas porque sou cidadão deste país; mas a discriminação,
a desvalorização não tem pátria, não tem fronteira (o mundo não tem fronteira).
Muitos sábios,
ao longo de milênios, já nos informaram da chave para a porta da evolução: não basta melhores técnicas, melhores
tecnologias. É essencial crescer em coração, em consciência.
A verdadeira
revolução não se dá pelas armas. Isso só faz derramar sangue. Cada consciência
necessita revolucionar-se. Muitas vezes, nem é preciso dizer “ois” e “olás”. O
outro sente quando está incluído. Quando eu for descobrindo o meu valor,
consequentemente eu vou valorizando o outro. Precisamos continuar a descobrir
nossos corações, nossos reais valores. Nesse processo, ao nos protegermos do
criminoso que reside em nós, vamo-nos tornando os heróis de nós mesmos. Ao resgatar
o meu real valor, permito que o outro resgate a si mesmo.
Em seus 12
trabalhos, à medida que o herói grego Hércules descobria seus valores internos,
cumpria suas tarefas, que beneficiava os outros.
Quando se emana
equanimidade, o meu valor não é maior que o valor do outro, e cada ser passa a
se sentir valorizado pelo que é e pelo papel único que tem a desempenhar aqui.